
Tem quase razão o colunista do DN, Ruben Carvalho, quando escreveu:
Neste fim-de-semana quase todos os diários dedicaram extensos textos ao centenário do nascimento de Fernando Lopes-Graça e às diversas iniciativas oficiais que a propósito irão decorrer. Esclarece-se discretamente em todos eles o empenho político do compositor, "a sua militância na oposição ao Estado Novo". Mas nem uma linha sobre o facto de Lopes-Graça ter sido, desde a juventude até ao seu desaparecimento, um activo, coerente e combativo militante do PCP. (texto completo
aqui).
De facto, não faz sentido esconder a qualidade de militante comunista desse nosso grande músico Fernando Lopes-Graça. Ele, aliás, nunca escondeu essa qualidade que muito o orgulhava. [Tive a honra de, apesar da diferença nas idades, ter sido amigo pessoal de Fernando Lopes-Graça, antes e depois de 1974, com quem muito aprendi nas muitas oportunidades de convívio particular e circum-actividades do Coro da Academia de Amadores de Música, que ele dirigiu durante muitos anos.]
Mas, de igual forma, não tem rigor dizer, como diz Ruben, que o genial compositor e maestro foi desde a juventude até ao seu desaparecimento, um activo, coerente e combativo militante do PCP, dando uma linha de continuidade à ligação entre Lopes-Graça e o PCP. Faltou, para que se completasse o retrato biográfico, que Ruben dissesse que Lopes-Graça, por colaborar com publicações interditas pelo PCP (como a revista Ler, dirigida por Piteira Santos), bem como a posição de divergência estética com a linha sectária de uma certa fase da direcção do PCP (em que tinha os seus Zdanovs em Cunhal, António José Saraiva e outros) imposta à revista Vértice,
foi afastado e combatido pelo PCP, levando-o a uma longa travessia do deserto que durou bastantes anos até á sua reintegração posterior e que marcou o artista com uma profunda e dorida amargura.
Ao silêncio sobre a qualidade de militante comunista de Lopes-Graça, Ruben responde com uma meia-verdade em que limpa as inconveniências para o PCP. E, no meu entender, uma meia-verdade propositada (Ruben de Carvalho é dirigente do PCP, decerto sabe a história inteira de Lopes-Graça), como meio de apropriação propagandística, não dá moral alguma para se combater e interpretar um qualquer (e indesejável) silêncio. Pois, por estas e por outras, é que os arquivos do PCP continuam fechados a sete chaves para que a propaganda esconda o que não (lhes) interessa, continuando a tentar mentir, sem contraditório, por omissão ou por meias-verdades.