
Não foi Alegre que criou ou estimulou a situação que deu origem ao mais estranho fenómeno das presidenciais, sem precedentes equiparáveis nos últimos trinta anos de democracia. Ele limitou-se a estar presente numa encruzilhada onde um milhão e cem mil portugueses entenderam desobedecer à arregimentação partidária do voto dos cidadãos. Goste-se ou não disso, não é em todo o caso possível reduzir tal fenómeno a uma crispação populista de contornos democráticos duvidosos que, definitivamente, não existiu. O que é preciso é perceber porque é que isso aconteceu. E sem perceber isso não se encontrarão respostas para a crise do sistema partidário que, aliás, também explica o sucesso da estratégia da candidatura de Cavaco Silva.
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Não há democracia sem partidos, mas esquece-se muitas vezes que pode haver partidos sem democracia. Estaremos ainda longe disso, felizmente, mas aproximamo-nos já de uma democracia representativa virtual. Os partidos deixam esgotar o seu papel de mediação política entre a sociedade e o Estado para se representarem apenas a si próprios, às suas nomenclaturas, aos seus aparelhos e aos seus interesses clientelares, fechados no interior de uma crosta gelada. Cabe aos cidadãos quebrar essa crosta do enclausuramento e autismo partidários para revitalizar a mediação democrática.
(Vicente Jorge Silva, no DN)