Sexta-feira, 10 de Fevereiro de 2006
Não estou tão certo quanto o
Eugénio quando ele invoca: Como diz o povo, a verdade é como o azeite. Acaba por vir sempre ao de cima. Porque achando que ele fala sabiamente sobre o azeite, presumindo que ele refere a sua mistura com a água, se esqueceu do vinagre. E o vinagre, sobretudo o histórico, atrapalha. E tanto que ele pode complicar a evidência do azeite! No mínimo, por efeito do cheiro de vinho apodrecido e que, pelos vapores acéticos, pode afastar muitos narizes. E, sabe-se, atrás do nariz vêm os olhos.
Mérito a agradecer ao
Eugénio, a acrescentar a tantos outros que lhe devemos, é dar-nos net-caminhos para tentar compreender, ou questionar, uns tantos enigmas da história luso-africana. Nomeadamente, partilhar a perplexidade sobre as revelações que levam a questionar o mito de fumo com que se envolveu o assassinato de Eduardo Mondlane, o líder carismático criador da Frelimo.
Deixando agora de parte o dossier da morte de Samora Machel (outro assunto, outro contexto, outro dossier), não há dúvida que os assassinatos de Mondlane e de Cabral se trataram de crimes organizados pela PIDE, com a cobertura dos comandos supremos e dos serviços de informação do exército colonial português. E que contaram, num caso e noutro, com cumplicidades dentro da Frelimo e do PAIGC, onde a PIDE cometeu proezas de monta na infiltração profunda e aos níveis mais responsáveis. Mas se, no caso da liquidação de Cabral, muita coisa se apurou sobre o fio da meada e os novelos da infiltração e da conspiração, embora ficando-se com a sensação de que nem todos os nós foram desatados (eventualmente, os nós mais grossos), o caso Mondlane, pela simplificação a que foi sujeito pela propaganda martiriológica da Frelimo, roçou sempre a raia do absurdo de uma história pior que mal contada e que isso só podia advir de mãos que tiveram tempo para descalçar luvas sujas com sangue de Mondlane.
Esta
reportagem-artigo é um arrepio e um espanto. De uma assentada, confirma-se que a história oficial foi mal contada, mentindo-se sobre ela às sucessivas gerações de moçambicanos criados na e após a independência, ficando um mistério inquietante sobre a disposição tardia de Chissano querer agora falar (?) (ele que tudo saberá e tanto escondeu) e o pânico de Marcelino dos Santos (a eminência parda do estalinismo frelimista, o eterno homem-sombra todo-poderoso e disfarçado de nº 2, sucessivamente com Mondlane, Machel e Chissano) perante o soltar de língua de Chissano. Quem muito esconde, muito tem a esconder. Mas não há mentiras perfeitas. Lá chegaremos? Talvez, se o vinagre não atrapalhar, demais, o azeite. Concorda
Eugénio?
Adenda: Tenham-se em conta os reparos apresentados pelo
Machado da Graça na caixa dos comentários. Ao fim e ao cabo, interessa a verdade. Embora, a meu ver, a grande questão seja: a Pide, na operação do assassinato de Mondlane contou ou não com cumplicidades conseguidas pela sua eventual infiltração no alto comando da Frelimo (altos responsáveis da Pide gabaram-se que o tinham conseguido)? E a não haver cumplicidades, houve ou não negligência da segurança da Frelimo para que o livro-bomba chegasse às mãos de Mondlane? E se houve negligência da segurança quem era então o responsável pela segurança e, portanto, o negligente-mor?
De Saturado a 13 de Fevereiro de 2006 às 09:25
Há sim um grande problema nisto e eu considero a acção do jornalista, uma investigação. Ele procurou fazer as perguntas a pessoas certas e isto nos ajudará a rever os livros de história. Por outro lado, ficamos duvidosos se os nossos historiadores fazem uma investigação para escrever os são ditados por alguém e escrevem.
O NERVOSISMO do Marcelino dos Santos, que lhe obriga a todo o custo interromper ou calar a boca do formalmente seu antigo chefe hierarquíco, cria-nos uma grande CURIOSIDADE. Segundo algumas investigações fala-se de acusações a certas pessoas, por exemplo o Silvério Nungo, e, que foram mortas. Curiosamente, e, se não estou em erro, os acusados não foram julgados pelo tribunal tanzaniano por onde o crime ocorreu. E, já nos parece que a polícia tanzaniana suspeitava nuns outros. Logo após a independência fizeram-nos cantar o nome deste, o nome daquele, acusando-os até de ter morto a Mondlane. E, como tudo isto não bastasse, desapareceram nacionalistas de nome que pensavam ao contrário dos os fizeram desaparecer. Escrevem-se livros com pontos de interrogação sobre estes saudosos, pois a parte central não tem resposta porque os VETERANOS que a têm, recusam-se a dá-la. Então, o que nos orgulha da nossa história, se cada um a pode interpretar da maneira que quer?
Os veteranos que nos digam os factos históricos do período em que nada se escrevia sem o consentimento deles. Mas também que fiquem eles a saber que eles se ridiculizam pela atitude que tomam num momento em que acreditamos na democracia. Também que os historiadores moçambicanos tomem a posição coerente sobre o trabalho deles.
Abraços
De Machado da Graa a 11 de Fevereiro de 2006 às 19:16
Quando digo que o artigo é falso não digo que a cena na Praça dos Herois não aconteceu. Digo que a tese de que a posição oficial da Frelimo é de que Mondlane foi morto nos escritórios do movimento é falsa.
Sobre o que aconteceu na Praça não tenho explicações. Especulando, posso imaginar que o relacionamento entre Mondlane e Betty King possa ter ido além da amizade e o Marcelino estivesse a tentar encobrir isso, mas, no essencial, a Frelimo não mentiu sobre o local onde Mondlane morreu. E, por isso, para mim o jornal faltou à verdade.
Apesar de o seu director e outros membros da redacção serem meus amigos.
Machado
Caro João Tunes, creio que o comentário acima torna desnecessário qualquer acrescento meu quanto ao efeito do vinagre. Pelo menos ficamos com a satisfação de termos mexido com algumas águas pútridas e estagnadas que ainda persistem na História.
Só não entendo é como se intitula o artigo de falso quando, conforme já me confirmaram, fontes de Moçambique e presentes no local, que o que se passou terá sido assim.
Um fraterno kandando
Eugénio Costa Almeida
De Machado da Graa a 11 de Fevereiro de 2006 às 06:27
A reportagem/artigo é, de facto, um espanto mas por ser tão falsa.
A versão correcta sobre a morte de Mondlane foi contada desde o principio.
Iain Chriestie, na sua biografia de Samora afirma:
" A catástrofe de 3 de Fevereiro de 1969 foi descrita na revista Mozambique Revolution:
Naquele dia, de manhã cedo, o nosso Presidente foi para o escritório e trabalhou com vários camaradas. Cerca das 10 horas pegou no correio recebido e foi para casa de uma amiga, um lugar sossegado, para poder trabalhar sem ser perturbado. Entre o correio que levou com ele estava um livro, embrulhado e endereçado a ele. Logo que chegou a casa começou a abrir o correio. Pegou no livro e rasgou o papel em que estava embrulhado. Quando abriu o livro houve uma grande explosão que matou o nosso Presidente"
A Mozambique Revolution era um orgão oficial da Frelimo em inglês.
No livro O Meu Coração Está nas Mãos de Um Negro, Nadja Manguezi afirma "Eduardo Mondlane, Presidente da Frelimo, tinha sido morto por uma bomba ao abrir o seu correio numa casa de praia em Oyster Bay"
No programa Uma Data na História, da Rádio Moçambique, transmitido em 3 de Fevereiro de 1991, diz-se:
"Segunda feira, 3 de Fevereiro, como habitualmente, Mondlane sai de casa, de manhã e passa pelos escritóriois da Frelimo para recolher a sua correspondência, dirigindo-se depois para uma casa de praia, nos arrewdores da cidade..."
A revista Sechaba, do ANC da África do Sul, ao anunciar a morte, diz:
"Dr. Eduardo Mondlane, who was killed by a time bomb while working at a desk in the house of a friend"
O Notícias de Lourenço Marques deu a notícia da seguinte maneira:
" O Dr. Eduardo Mondlane, presidente da Frelimo, foi hoje assassinado num chalé situado numa praia nos subúrbios de Dar-es-salam, segundo noticiou esta noite o governo da Tanzania.
Mondlane, que foi vitimado pela explosão de uma bomba relógio, teve morte instantania às 11h 20m, num luxuoso chalé propriedade de uma americana, miss Betty King, apenas a uma centena de metros da residência do Presidente Nyerere."
Como se vê pelos exemplos acima, é falso que a versão oficial da Frelimo seja de que Mondlane morreu nos escritórios da Frelimo.
O jornal cita um livro escolar a dizer aquilo, mas o facto de o livro conter um erro não significa mais do que isso mesmo. Um erro.
Saliento que não sou membro, nem sequer simpatizante, da Frelimo, mas continuo a acreditar que jornalismo é outra coisa diferente de publicar patacoadas sem um mínimo de investigação.
Machado
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