A 13 de Fevereiro de 1965, a PIDE assassinou um Presidente da República eleito pelos portugueses. É bom que não se esqueça. Pela mesma convicção democrática com que eu, considerando-me de esquerda, vou - respeitosamente e sem deixar de dormir - gramar o mandato de um Presidente que a Direita, agora maioritária, escolheu.
Em 1958 e 1965, não era assim. Mudavam-se votos, vontades e vidas como o diabo esfregava o olho a Salazar e aos polícias. Quem ganhava, perdia. Quem perdia, ganhava. Só ganhava quem ganhava se a maioria comesse a palha do fascismo. Não sou pela vingança histórica, isso seria mera estupidez, mas, passado o susto cunhal, esta direita, sobretudo na hora de entrar triunfante em Belém, devia, no mínimo, cumprimentar a galhardia da esquerda por poder gozar as delícias da mudança de tempo relativamente àquele (48 anos!) em que a direita absolutizou este País e que, entre tantas patifarias, impediu a tomada de posse de Delgado e depois o assassinou como se o Presidente da República fosse um cão tinhoso (*).
Nenhum dos havidos e votados Presidentes da República, todos de esquerda (se a boa vontade política do conceito de esquerda ampla incluir o general filo-peronista de patilhas compridas) teve a nobreza mínima e corajosa, de meter o retrato de Humberto Delgado na galeria dos nossos Presidentes da República, enquanto penduraram no Palácio molduras com as caras de outros que não foram eleitos (Carmona, Craveiro Lopes, Tomás, Spínola e Costa Gomes). Talvez o Presidente Cavaco se redima e nos redima, num gesto nobre e aberto que reconcilie, pela humildade perante a vontade popular, reconciliando esquerda e direita no sentir democrático e metendo fim à querela que nasceu em Braga com uma cavalgada de um general e suas tropas num certo e passado 28 de Maio. Estou a sonhar? Pois se calhar até já sonho com uma direita nobre e democrática, sei lá! Descansem, tarda nada vou ao médico.
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É útil que se leia o livrinho Uma brasileira contra Salazar, Ed. Livros Horizonte, para se perceber, e partilhar, a justa homenagem devida a Arajaryr Campos, a brasileira nobre que secretariou e acompanhou Delgado até ao fim e que partilhou com o General Sem Medo a mesma morte miserável sob os tiros dos esbirros da Pide.