Terça-feira, 31 de Janeiro de 2006

Sempre me pareceu que Lula, o Presidente Lula, era um respeitável e democrático
bluff. Talvez reveja a minha posição ao saber agora que ele, tendo feito da
Fome Zero a sua bandeira, permitiu que o seu governo gastasse muito mais dinheiro a fazer fotocópias (ah, sagrada burocracia!) que a auxiliar os esfomeados e a dar-lhes meios para, definitivamente, não o voltarem a ser.

Entre as análises mais circunspectas, estruturadas, serenas e lúcidas que tenho lido sobre o pós-eleições, contam-se as de
João Vasconcelos Costa. Sobretudo, a não perder, o seu recente post intitulado O novo bloco central: Cavaco-Sócrates.
Ressalva única: acho que o JVC não previu, ou evitou, o cenário que me parece como muito provável e aí nos ameaça na dupla Sócrates/Cavaco, termos, para vergonha infinita da esquerda, o pólo cavaco a moderar os ímpetos tecnocráticos e de desumanidade social do pólo sócrates
E, a ser assim, cruzes canhoto - mas eu garanto que já vi um cão a dançar com uma gata - a arrumação política ia ficar abandalhada: o Presidente, este próximo Presidente, apoiado pelo PSD e pelo CDS, a moderar, em nome de Keynes, o tatcherismo do discípulo de Tony Blair! Fócrates!

Bill Gates, o filho de puta da Microsoft, está em Portugal. Falou em investir e julgo que tenha investido. Palrou até em não sei quantos mil postos de trabalho. E umas tantas tretas sobre tecnologias, dessas das novas, daquelas que só roubam postos de trabalho e não acrescentam pevide. Mafioso da máfia da globalização, este Bill. Cabrão. Grande cabrão. E ninguém lhe esborrachou o focinho? Os
louçãs e os
jerónimos andam a descansar da campanha? Meterem baixa pelo stress da campanha a imitarem o Alegre? Não lhe foram à cara? Nem com tomates ou ovos? Não convocaram uma manif para meter o gajo de cú apertado a voar Portela fora? A luta de classes já não é o que era? Se calhar não.
Neste deserto contestatário, como anarca indomável que gostaria de ser, fica aqui o meu cartaz a usar na hora da despedida:
BILL GATES, COME BACK!
Segunda-feira, 30 de Janeiro de 2006

Retropecei em um poema num blogue que muito aprecio assinado por um liberal-monteirista-cavaquista que gostei. Tanto, que o transcrevo, dando-me o gosto de o recordar. Não pelas qualidades ditas atrás sobre o citador, distantes das minhas, mas porque o Autor o merece (sim, desculpem, vão ter de o continuar a aturar) e o
Fumaças, o que o recita, ser um
Amigo que muito estimo.
Assim, por razões duplicadas, confluentes na largueza do gostar amplo e sem donos, aqui vai o poema transcrito que deixo ao desafio da vossa imaginação, descobrirem a autoria:
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema e são de terra.
Com mãos se faz a guerra e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vêm nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
[Solução facilitada aos menos habituados à poesia: O meu Amigo, o da nobreza de culto perante a poesia, escreve aqui, está lá a solução.]

Uma singelíssima ilustração ofereço para enfeitar o seu belíssimo texto em que explica (se explica, com a sem vergonha galharda de quem mente sem deixar de ser homem bom, sabendo bem, como poucos, que o blogger é um fingidor) o que é um
mangusso (termo de gíria moçambicana).
Pois, disfarçado de mineiro, vais levando as pitinhas à certa. Predador não serás mas abaixo de caçador nem adianta disfarçares. Ora, goza-as e mete-as a gozar.

Desta vez, falhou a oferta de nevão ou coisa que servisse de amostra. Sei lá se por má sorte ocasional da demasiada proximidade do mar (que é maná quando o sol espevita), nevou em Lisboa e à volta, mas aqui não. E nós aqui tão perto.
Soube que, no Barreiro, também aqui tão perto, tinha nevado ou mostrado o que era ameaçar nevar. Lembrei-me então. Restando-me a decepção de não poder rever na garotada daqui, a de agora, a minha, o que senti em tempos idos e que há quase dois anos lembrei:
Tinha os meus oito anos ainda fresquinhos da comemoração. Depois de feita a Primeira Classe em Lisboa, na Escola da Rua Actor Vale, ali para as bandas da Alameda em Lisboa, tinham-me mudado para o Barreiro onde me inscreveram na Escola Conde de Ferreira para fazer os meus estudos. Enquanto vivi em Lisboa, refugiado num andar escondido do movimento na Rua dos Baldraques, raramente vinha à rua a não ser para a ida e volta da escola que era bem pertinho. Quando me instalaram no Barreiro, a diferença foi abissal quanto ao meio envolvente. Vivendo na zona central da vila, que por ser apenas uma vila me conferiu maior liberdade de movimentos, senti a sensação de ter caído numa autêntica metrópole.
Pouco mais se respirava que fumo no Barreiro. Quem lá chegasse tossia, tossia, até os pulmões se habituarem aos fumos sulfurosos e nítricos da CUF, depois deixava de tossir porque os gases poluidores entravam-nos no corpo e ganhavam foros de cidadania. Aliás, os barreirenses conheciam os forasteiros à légua porque eram os únicos que, entrados na vila, tossiam e se queixavam. Os Mellos tinham doado aos barreirenses o privilégio de deixarem de ser alérgicos aos óxidos e anidridos nítricos e sulfurosos saídos abundantemente das chaminés do Império CUF. Como recompensa por deixarem que eles construíssem a sua fortuna a venderem adubos, sulfatando e azotando os pulmões dos trabalhadores e outros habitantes da vila operária.
O Outono e o Inverno eram as épocas do smog. As névoas que eram frequentes pela proximidade do rio, misturavam-se com o fumo e formavam uma mescla turva. Nessa altura, a agressão aos pulmões era maior porque os óxidos ácidos misturavam-se com o vapor de água e, então, aquilo que era respirado tinha um teor considerável de ácidos agressivos. Mas o homem é um animal de hábitos e, se querem prova, arranjem um barreirense do tempo em que o Barreiro tinha fábricas e têm aí uma demonstração viva ou sobreviva. Se necessário, este mano oferece-se para os testes.
As casas do Barreiro, talvez porque eram construídas com pulmões mal acabados, ficavam rapidamente com sinais precoces e indeléveis da agressividade ácida. As paredes eram enegrecidas e escuros eram os telhados. E as árvores, as poucas árvores que teimavam em vegetar, tinham um aspecto lúgubre bem vincado como se quisessem exibir uma desdita de protesto contra os sádicos que as plantavam ali e depois davam-lhes fumos ácidos para respirarem.
Como os outros, também eu me habituei e adaptei. De qualquer forma, ali tinha mais liberdade que a clausura do segundo andar da Rua dos Baldraques. E a malta era fixe. A paisagem humana, social e urbana do Barreiro passou a ser a minha natureza. E quando me fizeram sócio do Barreirense, então senti-me um patrício de gema.
Numa manhã bem cedo, preparo-me para sair para o caminho da escola. Abro a janela e o que vejo? A vila negra de ácidos estava coberta por uma camada fortíssima de neve. Que deslumbramento. O Barreiro negro tinha passado a branco alvo.
Nunca tinha visto neve na minha vida e, repentinamente, ela cai-me aos montões a abafar os fumos da CUF. Foi o delírio na vila. Os barreirenses abriam a boca de espanto ao verem a sua vila de branco como se ela se tivesse vestido, sorrateiramente e no escuro de madrugada, com mantos de noivado e ali os estivesse a exibir para compensação de tantos anos a vestir smog.
Não se foi à escola nesse dia. As crianças andavam espantadas e meio loucas, atirando-se para a neve, construindo infindáveis bonecos de todas as formas e feitios e prolongando batalhas de atira e apanha.
Mas, com os adultos, foi pior. Aquele operariado triste, vida queimada em fornos e transformado em limalhas pelos tornos das fábricas, resignados a ganharem o pão a alimentarem as chaminés com fumos, GNR e pides à perna, duros dos hábitos dos Avantes passados de mão em mão, esses portaram-se pior, bem pior, ou melhor, muito melhor, que as crianças. Gentes de todas as idades, novos, médios, velhos, velhas, homens, mulheres, competiam com a criançada a compensarem infâncias falhadas, as tristezas dos fracos salários, as sombras do Aljube e de Caxias. Mulheres com alcofas para as compras, esqueciam as hortaliças para a sopa e usavam-nas para tentarem armazenar neve, o máximo de neve, talvez na miragem de a guardarem como um tesouro que dificilmente voltaria a cair do céu.
A vila enlouqueceu mesmo, toda vestida de branco. Ficou alva e pura, sem sombra de afrontas e de teimosias. Deixou de ser negra, negra dos fumos dos Mellos. Deixou de ser vermelha, vermelha das revoltas operárias. Apenas branca. Branca como a neve. Branca com a loucura de ser branca.
(repescado daqui)

Segundo o
mfc, que chama cretino ao homem (julgo que pelo desperdício), as quentes italianas (também as haverá frias, mas essas não são veras) vão ter de penar (ou folgar) até Abril com o Berlusconi niqueles.
Pois o Berlusconi está de abstinência. A poupar energias e imaginações para ver se, a partir de Abril, fornica (ainda) mais a democracia transalpina. Pode ser que goste da abstinência e em Abril comece a levar no cú.
Nota: Que se me desculpe a linguagem mas o que é que eu (e nós) temos a ver e saber sobre o calendário sexual deste populista de meia tijela (ou de outro que fosse)?
Domingo, 29 de Janeiro de 2006

Sinceramente, eu estimo Jorge Sampaio. E não é de agora. Acho que não se saiu mal, podia ter-se saído melhor, mas pelas elevadas probabilidades evitadas de ter feito pior, enfim, sai com honra e dignidade.
Com o fim do bi-mandato de Jorge Sampaio, fica-me um sabor misturado de
alívio e de
perda. De
alívio, porque corro menos riscos de o voltar a ouvir discursar. De
perda, porque vou ver menos vezes, talvez raríssimas, a figura esmagadora, dominante, matriarca, patriótica, desta inesquecível Primeira Dama.
Resumindo, fico-me pelo suspiro: ai que saudades de ti, eu vou ter, Maria José!
Sábado, 28 de Janeiro de 2006

Perdemos um dos nossos melhores e maiores escritores de escrita curta, se medida pela obra publicada. O que, sabe-se, nada tem a ver com a capacidade e resolução da escrita. O que, no caso, não impediu que ele tenha marcado a literatura portuguesa para sempre. Falo, como já se percebeu, de
Orlando Costa.
Houve um livro deste português-goês, nascido moçambicano, que me marcou na adolescência com uma obra eterna destinada a acompanha-me o resto da vida esse eterno e perseguido romance
Podem-me chamar Eurídice. Está lá a minha geração dentro a da invenção da liberdade a iluminar os vãos de escada da resistência ao fascismo, no querer, ao mesmo tempo, rasgar ar livre e mudar os costumes de malta jovem. Em português romanesco do melhor e alguma vez parido.
O
Podem-me chamar Eurídice era livro genial mas maldito e proibido, passando de mão em mão. Porque, além de admiravelmente escrito (muito nele lembra o melhor José Cardoso Pires), era uma raridade na medida em que metia em papel uma geração a contas com o fascismo e ainda a reconstruir os costumes provincianos que nos empalavam os nervos, os quereres e os apetites. Nas várias andanças, trambolhões e reformatações da minha vida, aconteceu, sempre, perder livros. Uns caídos nas mudanças, outros esquecidos, uns tantos sequestrados pela vontade de me privarem do meu melhor, sabendo-se que isso seria ferida que não ia fechar. Em cada vez dessas guinadas, aconteceu ficar sem este livro de carinho maior. Recuperá-lo, comprando outro, foi sempre dos primeiros gestos para me reconstituir. Até hoje, não me faltou, nem me faltará, como leitura para a eternidade do meu finito. Não me faltou quando proibido pela Censura e apreendido pela PIDE, não me faltará em tempo de liberdade.
Orlando Costa deu o melhor de si, a escrever e a lutar. Com a dignidade de um monhé luso-indo-moçambicano que era pela libertação da índia portuguesa e pelo fim do colonialismo e do fascismo. Pagou um preço alto por isso. Devemos-lhe isso, o contributo que deu em luta e na prisão. Mais a sua admirável mão que deixou páginas literárias que nenhum polícia será capaz de apagar do nosso património. E que connosco ficam, indo-se ele.

Pior que o frio, para uns tantos a somar a nervoseira do
derby, é saber como as coisas andam mal entre
o Carlos e a Telma.
Amigo que sou do
Carlos, muito gostei saber que ele tinha acasalado com a
Telma e que é irmã gêmea da
Catherine que eu cavalgo quando as estradas se me abrem em disponibilidade de convite, a mor das vezes não passando de voltas chamadas dos tristes, género rapidinhas de ir-me e vir-me, mas sempre feitas com gosto, alguma nobreza e nenhum espavento que isto já não dá para concursos maratonistas de pós-adolescentes (ah, e a Andaluzia sempre aqui tão perto
).
Diga-se que ela, a
Catherine, também só me deixa arrancar quando está pelos ajustes e não foi uma nem duas vezes que deu negaça de bateria descarregada a assinalar que a cabeça lhe doía e não estava virada para a brincadeira.
Pois o
Carlos meteu-se em arrufos com a sua
Telma, o que é bem pior que a ameaça do frio ou, ainda pior, um presságio sacrílego de mau resultado quando a noite cair. Mas se o frio está longe de ser o que ameaçaram, também o resultado não será assim tão bera. E tudo voltará a bem pelas bandas de Almeirim, uma ligação mais madura e menos explícita na teimosia da
Telma em mal se adaptar às orvalhadas da lezíria.
Bem sei que a gasosa está cara, cada vez mais e à beira do impagável, mas espero que o
Carlos, homem de excessos e de radicalidades (não fosse assim, não se teria metido em campanhas alegretes), compensando arritmias de entusiasmos desvairados com fugas de desânimos de caixão à cova, não se lembre de enfiar uma valente sopa da pedra para dar ânimo à fiel mas exigente
Telma. No amor, como em tudo, só o romantismo nunca é um excesso.
Carlos, experimenta dar-lhe uma flor. Ou faz-lhe um poema. E deixa a
Telma olhar o frio liso da lezíria. Depois, quando a vires de faróis repousados, avança. Devagar, mas decidido. Vais ver que nem precisas de carregar no botão do start. Talvez a agarres, talvez não.